02 março 2010

Texto literário: Quanto vale a vida?

Marília. 17 anos. Namorando um cara de 25 - loiro, belo, gato. Eu, inexperiente. Ele, já havia namorado.
Foi nossa primeira noite de intimidade. Com apenas duas semanas de "namoro", ele me convidou pra ir na sua casa, seus pais não estariam. Inventei uma desculpa qualquer para os meus e lá fui.
Beijinhos, abraços. Música - música espanhola!, ele sabe como me agradar. O clima ficou quente, fomos nos despindo e... rolou.
Ele riu três vezes devido ao meu mau jeito - devia ter pensado que eu fosse expert naquilo. Fiquei costrangida, senti-me humilhada. Ao fim, ele tirou a camisinha, olhou, e disse tem algo aqui, acho que é teu. Tu toma uma pílula do dia seguinte amanhã? Tomo sim, ingenuamente disse eu.
Fui pra casa a pé, noite escura. Cidade pequena, poucas quadras, pouco perigo. Mas podia ter me acompanhado!, falei sozinha. Mal dormi. Não via a hora de amanhecer pra eu ir numa farmácia comprar aquele "medicamento".
Amanheceu. Era domingo. Peregrinei pela cidade procurando uma farmácia em plantão. Ao encontrar, o constrangimento: eu nunca havia passado por tal situação. Meia sem jeito, pedi ao farmacêutico uma pílula do dia seguinte. Ele me olhou, talvez preocupado, talvez se preparando pra sair fazendo fofocas a meu respeito, perguntou se minha mãe sabia daquilo. Disse que não. Ele balançou a cabeça, desaprovando.
Comprei. R$28,00. Tomei.
Passaram alguns dias. O meu "namorado" não me procurou mais. Não ligou, não foi até minha escola no fim da aula... Nos cruzamos uma vez no supermercado. Fiquei aflita. Será que ele vai ao menos falar comigo? Ele simplesmente deu um "oi", um beijinho murcho em minha bochecha, disse que tinha pressa e precisava ir. Não perguntou se tomei aquela coisa, não ofereceu 1 real sequer para me ajudar a pagar aquilo. Ah, mas também, nem precisava, neh?! Eu fiz a coisa sozinha, não teve um homem do meu lado, eu que arcasse com o preço! Ironia!!
Uns dias depois, um amigo nosso veio me dizer que o meu "namorado" queria falar comigo. Fiquei aborrecida, por que ele já não veio? Meu amigo perguntou se eu poderia encontrar meu "namorado" naquela noite. Sim, posso, mas é o fim! Ele não tem mais a capacidade de falar comigo pra marcar isso?
À noite, fui ao barzinho combinado. Ele esava lá, na mesa de costume. Nosso amigo intermediário-de-marcação-de-encontro estava há umas 3 mesas distantes. Pra quê?, pensei. Vai ver que é pra apartar a briga, ironizei em meus miolos.
Oi. Oi, Marília, vamos conversar? Sim, vamos - não, vim aqui pra ficar só te olhando, pensei irritadamente.
Ele disse que me considerava muito amiga, muito isso, muito aquilo. Mas pra namoro, não. Claro, tu não quer uma ingênua inexperiente na tua cama, seu filho da p*, pensei. Eu disse um tudo bem, concordo, de minha parte também... blá blá blá.
Aí ele começou a falar de música, uma mania já tradicional pra desviar de assunto.

O tempo passou. Passei a evitá-lo. Eu não queria mais sentir aquela revolta que aflorava cada vez que eu o via. Ele riu de mim...
O tempo passou, enchi minha cabeça com outros pensamentos, tinha que me matar estudando pro vestibular.
Certa feita, minha família recebeu a visita de um primo meu que há muitos anos não víamos. Meus pais precisaram dar uma mãozinha pro nosso vizinho que havia se enroscado nos fios do cortador de grama, fiquei a sós com meu primo. Ele, preocupado e fraterno, quis saber da minha vida afetiva. Falei que não estava namorando. Ele começou a dizer que, quando eu namorasse, eu deveria tomar cuidado com o quesito sexo. Ele é ginecologista. E cristão, ferrenho na causa da preservação da vida. Falou sobre pílulas...
Cacete, eu nunca tinha pensado que tomar aquele trem de 28 pila iria MATAR UMA VIDA! Sei lá, eu fiquei assustada com a tal "coisa minha" que estava na camisinha, pensei em um poxa!, não posso ter um filho agora, meus pais iriam me estrangular! Não fiquei pensando que dentro de mim poderia ter iniciado um processo de vida.
Fiquei horrorizada com meu ato do passado.
Fiquei horrorizada com a frieza do meu ex-"namorado".
Fiquei irada comigo mesma que fui tão idiota em "obedecer" à sugestão do guri.
Fiquei me questionando se ter comprado aquela droga foi ingenuidade... Não! Fui burrice! Não foi falta de informação, foi burrice!
Veja bem, se minha mãe tivesse tomado uma pílula no dia seguinte daquela cópula, eu não teria nascido! Ela teria me abortado!
Se tua mãe, futuro leitor deste meu tosco texto de agenda, tivesse tomado uma pílula naquele dia, tu não estarias aí, lendo este chamado de atenção disfarçado em texto de agenda disfarçado em texto de blog.
Quanto vale a vida?, perguntou-me certa vez um verso de uma música dos Engenheiros do Hawaii. Olha, não sei quanto vale uma vida. Mas sei que para matá-la, para evitar que ela aconteça, são apenas 28 reais...



OBS: Agradeço a Ana pela correção feita!

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