31 outubro 2009

CLJ/Fred West: O mundo do passado e das lembranças


Sempre que paro pra olhar as fotos atualizadas do pessoal do CLJ de Frederico, dá um aperto enorme no meu peito. É uma mistura de vários sentimentos, difícil de compreender e explicar. É uma saudade imensa de algumas pessoas e momentos, é também dor por eu não estar mais entre eles. Dor por eu notar os eventos que lá acontecem... Por que será que as coisas sempre vão melhor quando não estou por perto?
O Folclore vai bem, tem galerinha nova... Tem os antigos, também. Os que estão lá por amor, cantando para o Maior Motivo, e os que estão lá pra mostrar "o quanto são bons na coisa". No curso, e fora do curso, as panelas. Revolta é o que também sinto! Algumas coisas não boas continuam!
Mas, tenho que engolir a amarga saliva de saudade/dor. Consolar-me com as oportunidades que estou tendo na nova cidade, apaziguar a saudade daquele CLJ... Ter esperança e também atitude! Sempre que possível, fazer algo para que algumas coisas mudem na região Alto Uruguai... Mais justiça, menos panelas, mais união.
Não estou mais nas fotos... Mas, por muitas vezes, meu coração e meus pensamentos se teletransportam e vão pra lá! E minhas expectativas de melhoria também.

30 outubro 2009

O assalto que todo mundo quer sofrer


O que aqui estou a escrever, por mais bizarro e inacreditável que seja, é totalmente verídico!

Dia 17 de maio, domingo, ano 2009.
Ia eu para a missa na capela Nosso Senhor Jesus Cristo do Bom Fim, na Avenida Osvaldo Aranha, bem em frente o Instituto de Educação, em frente o qual vários universitários descem do D43 sem notar a pequena igreja do outro lado da avenida.
Fui me aproximando do vulgo “beco do mijo”, um corredor formado entre as grades do curso de Direito da UFRGS e a inclinação sobre a Av. João Pessoa. Eram 9 da manhã, sol raiando, pessoas andando na rua.Um homem mal trapilho desceu as escadinhas do beco e foi andando poucos passos a minha frente. Olhou pra trás, olhou pra mim. Deu outros passos, voltou a olhar pra mim. “Ixi”, pensei, “é hoje!”. Quando adentramos totalmente no beco, ele me parou, abriu um canivete e disse: “Passa a grana que tu tiver, não vou te machucar, não”. Putez grila, eu não levo dinheiro pra missa! Com calma e serenidade olhei nos olhos dele e disse “Bah, cara, desculpa... Eu tou indo pra missa e não levo dinheiro pra lá!”. Ele disse “Passa todo dinheiro que tu tiver, celular, relógio!”. Eu mostrei meu relógio, cuja pulseira é feita por mim, não vale 5 pila. Falei nova e calmamente: “não levo dinheiro nem celular pra missa, se tu quiser ver...” (“Pra missa?...”, ele comentou) e fui abrindo o bolso externo da capa do violão. Ele disse “não vou mexer nas tuas coisas, só me dá tudo que tu tiver!”. Eu olhei pra ele, dessa vez já com cara de ‘poxa, queres que eu faça o quê?’ e falei: “Não tenho nada mesmo...” e pensei: 'ou o cara rouba meu violão ou me leva pra um cantinho'. Mas ele, para minha surpresa, disse: “Ta! Vai com Deus então. Não vou te machucar” e foi se retirando. Tive segundos de perturbação, mas fui dando uns passos até ouvir aquela voz me chamando: “Ôh, moça!”. “Ai meu deus”, eu pensei. Virei-me e fitei-o. Ele me perguntou, com um meio sorriso:
“Tu toca Bob Marley?”
(!!!)
Sem conseguir omitir o meu meio sorriso, respondi: “Não, não sei cantar em inglês!”. Ele veio se aproximando e perguntando: “Mas rock, tu toca, neh?”. Aí sim, abri um sorrisão e respondi: “Sim, sim, toco!”. Ele se aproximou mais (gelei!!!), estendeu a mão. Olhei a mão estendida. Apertei-a. Ele se aproximou ainda mais e me deu 3 beijinhos nas bochechas (!!!), disse tchau e falou que eu era legal (!!!).
Fala sério! Se me contassem, eu não acreditaria... rsrs

21 outubro 2009

A ousadia de sair do interior e viver na grande POA


*Deixar o interior para moral na capital do estado: "Na rua tu não poderás andar de bolsa, não poderás antender celular, não poderás usar aparelhos sonoros.
Sim, há assaltos, mas não sejas tão extremista! Não sou assaltada cada vez que coloco o pé na rua! É possível andar de bolsa e com um MP3 nos ouvidos! Não é preciso andar por aí nua no intento de não ter nada que atraia assaltantes.
*Morar em uma casa do estudante: “Mas que absurdo! Como teus pais permitem?”.
O simples nome “casa do estudante” já vinha embutido de negativa significação: sexo, festas, sexo, cigarro, sexo, drogas, sexo, bagunça, sexo, não estudar, sexo. Meninos morando com meninas?: sexo.
Festas? Sim, e muito legais, mas ninguém é obrigado a participar!
Cigarro e drogas? Sim, assustadoramente bastante! Mas até hoje ninguém me obrigou a provar nada!
Bagunça? Sim, como todo lugar que comporte mais de duas pessoas. Nem sempre é fácil concentrar-se nos estudos devido a barulhos externos, mas nada que um diálogo – ou um pequeno escândalo, na pior das hipóteses – não resolva.
Não estudar? Olha, até têm aqueles que não estudam muito, mas isso é problema deles, não?!
Sexo? Bem, certamente há... Mas nenhuma orgia até hoje chegou aos meus ouvidos ou geropu tremelicos nas paredes.
Meninos morando com meninas? Sim, e não há nada de perverso nisso. Já passei por essa situação e não fui atacada pelo guri, bem como não o ataquei.
Não importa onde estejas, sempre há oportunidades de devassidão; coisas que agora são de mais fácil alcance – drogas, por exemplo – podem também ser adquiridas na cidade pequena!

É possível morar aqui e continuar sendo a mesma guria de lá!

Pais, tentem compreender: é possível aderir ao mundo da cidade grande sem ser levado pela perversão! Permitam que seus filhos saiam de suas casas para estudar, permitam que eles busquem um futuro mais promissor!
Mas, filhos, saibam que para alcançar esse futuro é preciso de muita dedicação e consciência. Tu tens as opções de caminhos a seguir, e tens também o livre arbítrio! Está tudo em teu poder de escolha!

18 outubro 2009

Devaneios sobre a solidão

Em mais um daqueles momentos de procurar um amor, procurei ouvir a voz da solidão. A não-voz tentou-me: “Fique comigo! Estou disponível a você! Quem sabe não te farei feliz?!”. Senti-me transtornada: a solidão que me dera tantas tristezas quando no decorrer da minha adolescência agora surgia como companheira! Disse-lhe, então: “Tu já me fizeste muito sofrer, sofrimento que manifestava-se em escondidas lágrimas. Como poderias tu agora me trazer felicidade?”. E lembrando de todo meu bucólico passado, uma onda de indignação apoderou-se de mim! Fugi daqueles pensamentos, corri para outra dimensão. Mas a proposta não fugiu de mim.
Ah, a solidão...
À noite, ao estar à janela mirando as luzes noturnas do distante subúrbio, o devaneio do momento anterior retornou aos meus pensamentos. Minha mente turbilhonou e cheguei a uma conclusão: a solidão seria o par perfeito para mim! A solidão não tinha voz: não ficaria tentando me agradar com melosas mentiras, dizendo o quanto sou linda e querida – minha beleza não é exterior e meu estado de espírito por vezes faz minha queridez desaparecer. A solidão não tinha corpo: eu não precisaria ficar lhe dando carinho o tempo todo como prova de eu estar apaixonada. A solidão não tinha sexo: eu não precisaria ficar dando e recebendo carícias que parecem tão ascorosas. E o mais importante: a solidão não tinha sentimentos!!! Não se abalaria ao conhecer meu eu verdadeiro, um eu estranhamente paradoxal, que adora o romantismo no mundo mas não sabe vivenciar o romantismo em um namoro, que emocionadamente chora ao ver ou ler um romance mas é um poço de frieza no namoro.
Ah, a solidão!!!
Com ela eu não teria um corpo para abraçar, mas certamente não lhe causaria sofrimento. Com ela eu poderia ser verdadeiramente verdadeira e poderia estar sempre tranquila por não estar fazendo ninguém sofrer.
Sim, solidão, te aceito! Sou tua e a ti me entrego! Envolva-me em tua órbita e faça-me feliz pelo simples fato de eu saber que não estou fazendo um ser humano infeliz!

(Texto Literário) De volta aos seus braços

(Texto descritivo, aula de "Leitura e Produção Textual" , 2009/01)

Era manhã primaveril, acordei no horário rotineiro, fui até a janela, absorvi o ar perfumado das plantas do jardim. Senti o frescor daquele ambiente externo chocando meu corpo ainda quente dos lençóis e abri meus braços para receber o sol. “Bom dia, mundo!”. Retornei à cama, rocei o cabelo de Jonas, meu marido, e beijei sua testa. Ele, ainda de olhos fechados, sorriu e disse um "Se cuida, querida!". Vesti meu uniforme de esportes e fui correr.
Acordar cedinho e ir correr pelas vias da pequena cidade de Luzinha, norte do RS, era minha paixão! Fazia-me muito bem o aconchego das ruas calçadas por ladrilhos, apreciar os pássaros com suas cores e seus cantos a encantar minha manhã. Depois, ao retornar pra casa, tomaria um banho morno, lancharia com Jonas e iríamos juntos ao nosso trabalho, ambos secretários administrativos em uma empresa de computadores que atendia as cidades da redondeza.
Iniciei o trajeto costumeiro: seriam cinco quilômetros pelos tranquilos bairros próximos a nossa casa, bairros todos pequenos, envolviam poucos quarteirões.
A manhã estava linda, tudo renovava meu espírito, até que aproximei-me da cabana da dona Bete e pasmei: a porta estava aberta! Naquele horário, a porta sempre tinha estado fechada, a boa avozinha deveria estar ainda dormindo, solitária, protegida apenas pela pequena e feroz Lessy. Diminui meu ritmo e parei em frente ao portão, “O que aconteceu aqui?!”, pensei. Os vasinhos de orquídeas estavam jogados ao chão, o bebedouro dos pássaros estraçalhado sobre o piso. E onde estaria Lessy que não viera ladrar informando sua dona de que alguém se aproximava? Entrei pelo portão e vi a cachorrinha deitada no gramado, próxima ao chafariz. Chamei-a e não obtive em troca os latidos nervosos de alarme. Cheguei perto, dei-lhe uma beliscada. Nada. Olhei ao seu redor: um pacotinho de veneno rasgado e vazio sobre a grama. Meu coração acelerou. Um calafrio em minha espinha. Uma pontada forte em minha cabeça. Um medo ultrapassou meu corpo. O que estaria acontecendo naquela casa? Num surpreendente impulso, vencendo meus temores, fui em direção à porta. Ao entrar na cozinha, agonia: a cabecinha grisalha de dona Bete inclinada sobre a cabeceira da poltrona, e pelo seu pescoço, uma linha de sangue. Quando gesticulei para gritar, uma mão forte segurou-me pela cintura e outra prendeu minha boca e meu grito. Pela porta do quarto saiu outro homem. Ele, ao ver seu companheiro prendendo a mim, disse: "Ora, ora!... Visitas? Mas era só o que faltava... Uma mulher metida à atleta querer estragar nossos planos?!"... Estremeci. A gargalhada daquele homem encapuzado provocou-me arrepios. Aquele que me segurava disse, então: "Quer que eu acabe com ela?". A resposta foi: "Não, não, essa ‘boazuda’ aí até que vai nos ser útil". Senti um embrulho no estômago, logo percebi o que me esperava.
Fui amarrada pelos pulsos e tornozelos, minha boca e olhos foram vendados. Eu ora pensava, ora desfalecia. Recordo-me apenas de que, quando tiraram a minha venda, estava sobre uma cama de colchão nada aconchegante em um quarto sombrio e de pouca iluminação. Minha cabeça doía endoidecidamente. Onde eu estava? Pânico, lágrimas, gritos! Até que os dois homens apareceram. Atemorizada, olhei para eles de relance: estavam sem os capuzes. Encolhi-me na cama, o terror freou meus movimentos. Eles olhavam-me e riam entre si. Um deles me perguntou: “Qual é o nome da formosura?”. Um fiapo de voz que saiu de mim respondeu: “O que vocês vão fazer comigo?...”. O outro respondeu: “Coisas muito interessantes!". Ambos vieram como feras em minha direção. Fechei os olhos, meu pavor e asco ao sentir o contato daquelas peles junto a minha fizeram meus sentidos apagarem. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas ao acordar, minha roupa estava estraçalhada e meu corpo todo dolorido. Pânico é uma palavra doce demais para descrever o que eu sentia... Muitas lágrimas verteram (como a água do chafariz de dona Bete), o travesseiro ficou com mechas molhadas. Olhei ao redor: apenas uma mesinha com uma garrafa de água e umas bolachinhas. Abri a garrafa, cheirei, parecia ser água mesmo. Mas mesmo sedenta, deixei-a sobre a mesa, eu não tinha estômago pra nada.
Estrondo na porta, eram eles novamente. Olharam-me e perguntaram, entre risos irônicos, qual era meu nome. Minha agonia impressionantemente transformou-se em desmedida fúria e bradei: “Seus porcos! O que vão fazer comigo? Me deixem sair daqui, seus brutos!”. E, num relance, lembrei de Bete... “E por que vocês mataram a Bete? Seus malditos, ela nunca fez nenhum mal!”. Os dois riram e disseram-me que “da velha queriam grana e de mim... Alegrias!”. Pulei da cama e fui na direção deles, batendo, chutando, arranhando, mordendo, como se pudesse feri-los, matá-los! Oh, ímpeto desmedido! Eles facilmente prenderam-me, puseram-me na cama e fizeram o que muitas vezes era a mim feito.
Os dias se passavam, eu estava endoidecendo. Quanto tempo eu estava ali? Nem sabia mais... E por quando tempo eu ficaria ali? Qual era a deles? Pediriam algum resgate? Eu estava física e moralmente estraçalhada. O pouco sol que entrava pela janela não mais me aquecia nem me iluminava. O sol que me acompanhava pelas manhãs de corrida agora me agoniava: será que eu voltaria a livremente senti-lo? A janela não fornecia perfume de flores, a janela era motivo de agonia: se ao menos eu conseguisse arrombá-la! Quando eu sairia dali? Até que ponto aqueles homens iriam?
Certa manhã, uma sirene de polícia soou. Uma esperança do tamanho da luminosidade do sol apoderou-se de mim. Fiquei atenta aos ruídos. Uma porta arrombada. Pancadas, gritaria, tumulto, tiros. A porta do meu quarto chutada e, graças a Deus!, vários policias entraram. Olharam-me, apavoraram-se. Entreolharam-se. Fiquei espantada com a reação deles. Um deles disse “Gente, tem uma mulher aqui!” e outro: “Bah, eu a conheço! É esposa do Jonas, lembra, aquele cara que foi registrar ocorrência do sumiço de sua esposa, há semanas atrás! Lembra das fotos que ele deixou lá pra nós? Então, é essa mulher aqui!!!”. Eu tive alguns segundos de euforia: tinham outros humanos ali comigo! Ao conseguir processar o que tinha escutado, me emocionei... Ah, Jonas! Procuraste por mim?! Comecei a chorar... Chorar de emoção, de esperança, de vida! Chorei como a criança que sai do ventre da sua mãe: vida nova!
Fui levada a um hospital e lá fiquei por dias para avaliações, exames, coletas de sangue, etc, etc, etc. Perguntei de Jonas, responderam-me que ele preferiu me esperar em casa, estava muito abalado. Para mim, era mais uma tortura estar liberta do cárcere e não poder vê-lo. Quando meus pensamentos começaram a retomar seus aposentos, pensei sobre o que ele poderia estar sentindo... Será que ele estava querendo me evitar, será que ele ficou com nojo de mim? Não, isso seria cruel demais, eu preferia a morte!!!
Recebi alta, fui levada para casa. A porta encostada, entrei de fininho. A pilha de jornais embaixo da escada. Olhei a manchete do que estava sobre a pilha: “Dois homens procurados há 3 anos por roubos e estupros foram assassinados por PMs”. Li um dos subtítulos: “Mulher desaparecida há 50 dias estava sob os poderes dos delinquentes”. Senti uma forte tontura, meu corpo pendeu, não tive forças para manter-me em pé, mas duas mãos fortes me seguraram pelas costas e uma voz soou próxima de meu ouvido: “Querida, eu esperei tanto por ti...”. Girei meu rosto, era Jonas! Olhei em seus olhos, fiquei sem reação, meus olhos umedeceram. Ele fitou-me, sorriu e abraçou-me carinhosamente, sem força, sem violência, sem gritos! Com candura, com doçura, com amor! E disse: “Estás de volta aos meus braços! Eu vou cuidar de ti!”. Ah, como era bom aquele afeto! Lágrimas percorreram nossas faces e ficamos ali, não sei por quanto tempo, mas foi o tempo suficiente para eu sentir que ainda existia vida para mim!

(Texto Literário) Os dias – não tão angelicais – de Angel

(Texto narrativo, aula de "Leitura e Produção Textual" , 2009/01)

Olá! Meu nome (atualmente) é Angel. Sou um bebê queniano de seis dias de vida, e gostaria de contar minha curta trajetória até aqui.
Fui concebida em um ambiente não muito familiar. Minha mãe passou esses últimos nove meses acolhida na casa de Mariah, sua amiga. Não tinha muito contato com seus familiares e, quando tinha, era-o para discussões. Meus avós diziam que ela “não devia ter se envolvido com aquele traficante, que só tinha se aproveitado e dado no pé”. Sinceramente, ainda não entendi o significado dessas palavras, mas, pelas várias vezes em que foram proclamadas, deve ser algo muito relevante.
Nasci naquele mesmo quartinho em que minha mãe estava morando, Mariah foi quem fez o parto. Foi estranha a sensação daquele novo mundo. E, quando quis refugiar-me nos braços de minha mãe, ela não me aceitou. Não quis pegar-me em seu colo, não quis dar-me de seu alimento. Fui acolhida por Mariah, que também tem uma criança. Um bebezinho muito querido, por sinal, pois não se incomodava quando eu bebia do leite que a ele deveria ser destinado.
Eu estava muito envolvida com Mariah. Ela me chamava de “Anna”, e transmitia-me uma ternura muito acalentadora. Eu queria permanecer com ela, e ela dizia que queria ficar comigo. Minha mãe, por sua vez, respondia que não iria mais incomodá-la, e que “ia dar um jeito na situação”.
Ao entardecer do segundo dia, minha mãe pegou-me no colo (pela primeira vez) e saiu correndo da casa, como quem fugia. Não sei para onde ela foi, mas sei que fui colocada por entre alguns arbustos de um bosque. Até achei interessante aquela paisagem, mas logo vieram insetos sobre meu corpo, e estava começando a escurecer. Minha mãe não retornava... Entrei em desespero. Por duas vezes, ouvi passos de pessoas próximas a mim, mas ninguém parou para saber do meu pranto. Em meio às minhas lágrimas, adormeci.
No dia seguinte eu estava faminta, mas Mariah não estava lá para me amamentar. Os carros passavam ao longe, eu podia ouvi-los, mas ninguém me ouvia... Até que senti um balanço, alguém havia me pego e estava me carregando. Fui largada novamente, mas dessa vez não por entre arbustos. Eu estava rodeada por calor e afeto. O problema era que não recebia alimento! Estava muito agradável a sensação de companhia e ternura, mas eu precisava da Mariah... Chorei... E meu pranto chamou a atenção de uma senhora que por ali passava. Seu nome era Sara, ela pegou-me em seus braços, muito emocionada, e levou-me a um estabelecimento onde várias moças vestidas de branco cuidaram-me e deram-me de comer. Foi delas que recebi meu novo e atual nome, “Angel”.
Nesse momento, olho pela janelinha desse quarto no qual estou (agora sei que esse lugar chama-se hospital e que as moças de branco são enfermeiras) e percebo que há muitas pessoas lá fora, algumas portando uns objetos que lançam luzes e outros objetos que ficam apoiados em seus ombros. As enfermeiras continuam a embalar-me e dar-me afeto. Mas eu ainda penso em Mariah... Sinto sua falta! Penso em minha mãe... O que será que aconteceu com ela? E por que tudo isso aconteceu comigo? E o que vai ser da minha vida agora? E penso, também, em quem poderá ter me tirado daquele bosque sombrio e cheio de insetos... Seja lá quem for, sou eternamente grata!

...

Eu sei responder as questões da Angel! Sou ‘quem’, há um mês atrás, recolheu-a dos arbustos ao ouvir o seu chorar e colocou-a em meu leito, junto ao calor dos meus quatro filinhos. Eu gostaria de tê-la cuidado, mas sabia que ela não poderia ficar mais muito tempo comigo, sabia que Angel precisaria de leite materno e tudo que qualquer criança precisa para crescer e socializar-se. Por isso, deixei Sara recolhê-la, Sara levou-a ao hospital da cidade. Angel fora cuidada por enfermeiras, agora está para ser adotada (e olha que há muitas famílias interessadas pelo anjinho!). Fico feliz pela gratidão, mas não preciso de agradecimentos. Eu só fiz o que qualquer ser humano deveria ter feito ao ouvi-la chorar naquele bosque.
Mariah está preocupada... Tem medo de ser julgada como cúmplice de algo ilegal. Por mais que de sua parte estivesse apenas fazendo uma boa ação, teme ser mal interpretada, ser vista como quem manteve alguém refugiado (considerando as circunstâncias) em sua casa. A rejeição e sumiço por parte da mãe de Angel estão sendo averiguados; seu pai está sendo procurado pela polícia, agora não somente por tráfico, mas também por abandono de menor.
É delicada a situação moral da mãe da menina... Ela era adolescente quando começou a envolver-se com aquele rapaz. Ele era um moço atraente, viril, porém, um dos maiores mandantes do tráfico de armas no Quênia. Quando os pais da jovem souberam do envolvimento, disseram-lhe que não iriam responsabilizar-se por qualquer consequência. A jovem engravidou, sabia que não teria apoio paterno e foi buscar ajuda em sua amiga Mariah, que também estava grávida, mas já de quatro meses. Mariah, compadecida, acolheu-a. Por várias vezes tentou conversar com a amiga, dizer que ela poderia tentar reconciliar-se com seus pais, mas a garota tinha muito medo. Resolveu ficar em seu refúgio. E, mesmo que Mariah se disponibilizasse a adotar a criança, ela não queria dar continuidade a essa história, tanto que fugiu com o pequeno anjo e abandonou-o. Hoje, ninguém sabe o paradeiro da jovem. E, se ela for encontrada, possivelmente precisará antes de um acompanhamento psicológico que de uma cadeia.
Para Angel, um futuro brilhante é possível. Mas espero que esse passado macabro não lhe tire as graças de uma infância feliz.
E agora, permita-me apresentar-me! Meu nome é Lessy, sou uma cadelinha vira-lata e vivo com a Sara.